Concepção
de religiosidade
_
Charles, por que você parou de freqüentar as igrejas?
_ Porque
achava que poderia encontrar na igreja algo que poderia me ajudar a desobstruir
um ponto escuro de minha personalidade, mas logo me senti superficial e
estúpido.
_ Não
entendi!
_
Chegando lá, ao invés de eles me ajudarem a desobstruir esta parte obscura da
minha personalidade, eles queriam eram extirpá-la completamente. Eu estava
apenas um pouco triste. Queria me aliviar um pouco dessa tristeza e eles
queriam que eu me julgasse um hospedeiro de horrores, que eu tivesse a
consciência de um grande fracasso, queriam manipular meu livre-arbítrio para me
punirem e tê-los como meu consolo.
_ Eu
também procurei quase pelo mesmo motivo e encontrei na religião a felicidade e
tudo de importante.
_ Sim,
essa concepção de espiritualidade é muito relativa. Cada um enxerga com um
prisma pessoal. Eu não me absteria tanto para encontrá-la. Quando uma pessoa
encontra uma coisa importante na vida, não quer dizer que precise renunciar a
todas as outras. Geralmente as pessoas fazem isso com a religião e com o
casamento e não conseguem manter a felicidade por muito tempo. Elas exigem fuga
da rotina.
_ Mas
você não acha que independentemente dos métodos usados nas igrejas ou nos
templos, o que vale é a nossa intenção ao procurar e também a fé que a gente
carrega dentro de nós?
_ Eu
acho. É justamente a inocência do fiel que o salva. Talvez eu não tenha essa
inocência. O que pude perceber é que a filosofia dos homens das igrejas é
justamente de lhe mostrar que você não tem nenhuma fé e que precisa
desesperadamente da ajuda deles. Eu disse “deles” e não de Deus.
_ Como
assim?
_ Nos
padres, reverendos, pastores, etc., a vaidade é tanta que o amor de ser
idolatrado por nós é mais forte que a fé que eles deveriam ter em Deus e dos
ensinamentos que eles deveriam nos passar.
_ Minha
mãe é evangélica, vai aos cultos quase todos os dias. Eu sou católica e vou as
missas toda semana. Tanto eu, quanto ela, nos sentimos muito bem. Não
percebemos isso.
_ Ótimo!
Eu também queria conseguir isso.
_ Por que
não volta freqüentar às igrejas com uma nova perspectiva? Talvez você se
condicionou a tomar por certo essas suas impressões.
_ Ainda
não. Como eu disse ainda me falta a inocência necessária.
_ Então
existem muitos inocentes, pois a cada dia as igrejas estão mais lotadas e
freqüentadas diariamente pelos fiéis.
_ As
pessoas, hoje, são criadas num sistema de que basta freqüentar igrejas e pronto,
você estará cumprindo as suas obrigações espirituais. Quanto ao fato de ir à
missa toda semana, não quer dizer muito. Tem pessoas que vão todos os dias,
isso não tem nada a ver com fé e satisfação. Tem gente que não vai dia nenhum e
também se sente bem. Tem pessoas que cheiram religião e não sabem o que é Deus.
Muitas pessoas vão por ser vítimas de um sistema mecanizado contínuo sem ter
certeza de saber o que vão encontrar. Aquela estória: “ Religião? Todo mundo
tem, deve ser o certo”. Outras vão porque sabem que vão encontrar alguém que pode inspirar simpatia e há quem
vá apenas por achar aquilo tudo parecido com uma cena teatral gratuita.
_ Mas há
muitos que vão porque realmente se sentem bem. É o meu caso, repito.
_ Claro,
alguns vão porque realmente se encontram lá. O que eu estou querendo lhe dizer
é que não precisamos de submissões para esperar pela glória ou pela paz. Ah! Eu
ia me esquecendo, há os que procuram certas igrejas porque sabem que não podem
chegar puros no inferno.
_ Você
está fazendo piadinhas com algo sério.
_ É sério. O fato de alguém ir às missas todos
os dias não o faz um verdadeiro crente. Seria melhor até adiar algumas visitas
e praticar alguma boa ação por aí. Primeiro é preciso ser bom, para depois ser religioso. O que, é claro,
não quer dizer que quem freqüenta diariamente, seja ruim. Muitas pessoas
vulgares procuram pela igreja, para tentar mascarar a má índole. A usam como
uma vestimenta para cobrir alma bastarda
e ímpia.
_ A
religião não esconde a verdadeira conduta de ninguém. Mas
não
podemos ter a presunção de julgar o teor da fé de alguém.
_ Qual o
“teor” que pode existir na fé de um mau caráter?
_ Mas tem
pessoas que procuram pela igreja justamente para modelar o caráter de acordo
com a decência e dos bons princípios.
_ Claro
que sim, mas a igreja não pode representar e querer se passar como a única
tábua de salvação. Ela nunca substituirá a interioridade da pessoa. Lá sim as
pessoas estão mais propensas a encontrar
Deus. Lá, sim, existe a verdade nua e crua. Quem tiver um caráter que pode ser
mudado para o bem, com certeza encontrará consigo primeiro. Lá não existe
simulação.
_ Mas é
justamente a função da igreja. Fazer com que as pessoas encontrem essa
interioridade. Além do mais, tem muitas pessoas que não são maus caráters,
apenas comete algum ato errado num momento de
desespero e são convidadas com boa fé para se redimirem e purificarem com a palavra do Senhor.
_ Sim, e
quando chegam lá, como eu já disse, os comandantes das mesmas de propósito
deixam transparecer que essas pessoas são mais pecadoras do que imaginam e os
deixam mais apavoradas dando entender que eles precisam urgentemente deles. Eu
disse “deles” e não de Deus, repito isso novamente. Entende? Eles oferecem a
ponte que levam para “ o outro lado ”. Além das pessoas não saberem saber se o
lado de lá oferecido é o lado certo, ainda tem que pagar um caro pedágio pela travessia.
_ Mas
realmente essas pessoas precisam de alguém que os esclareçam, você não acha?
Graças à Deus as igrejas estão cada vez mais cheias.
_Eu acho.
Mas só que esses que deviam esclarecer
vêm é com uma chantagem afetiva que mais tarde será transformada em dinheiro.
Depois dessa transformação o pecado vai deixando de ser grave, consoante ao
dízimo ou contribuição recebida. E essas pessoas ainda vão ter futuramente a
missão de arrebanhar outro irmão e alcançar nele também o pecado para que passe
pelo mesmo processo aprisionando-o para depois chantageá-lo. Um, matando a
possibilidade da salvação do outro. A lotação de muitas igrejas é proveniente
dessa caçada. É a fé sendo traída, mentida, negada. Nessas igrejas não têm
projetos de amor, realizações e conquistas. Elas tem com prioridade relações
baseadas no desejo financeiro, ignorando o vasto campo espiritual. Os
hipócritas não nascem, são produzidos por alucinações religiosas. Eles gritam
em demasia em suas igrejas, porque sabem que o silêncio os denunciariam.
_ Mas
você não pode generalizar e achar que todos agem dessa maneira.
_ Claro
que não. Tem igrejas boas, mas que, deixam no melhor das hipóteses, a parte espiritual desempenhar um papel
secundário. É uma pena ter que admitir que as igrejas de hoje fazem uma
concorrência muito grande entre elas, igual comércio mesmo. Qual arrasta mais
fiéis?(consumidores) Qual é a mais popular? Coisas assim. E pouquíssimas
mostrando os desígnios e norte para os nossos destinos, e nós, os “consumidores
da fé” não tem nenhum procon religioso para reclamar. Eles dividiram Deus e
cada um acha que tem o pedaço melhor. É impossível viver com fé e felicidade
dentro de um conjunto de convicções desse.
_ Você
não encontrou nada que lhe enriqueceu espiritualmente nas igrejas?
_ Eu, se
não tivesse minha filosofia de vida formada, lá eu tinha perdido a fantasia e o
gosto de viver a vida. Segundo a vontade deles morreria sem gozar os prazeres
deixados por Deus. Eles não dão o mínimo de liberdade para sermos felizes. A
felicidade sem liberdade é impossível. A religião que eu vi por aí é muito
parecida com o casamento. Eles não aceitam o ineditismo e as surpresas. Quem
não sabe o que é sofrimento, aprende lá dentro. Só que eles tentam ensinar como
suportar resignado a canga desse sofrimento. Eles deviam nos ensinar era agir,
mas para eles não é conveniente. Eu descobri que não sou tão ruim assim. Mas a
visita na igreja me enriqueceu, pois conheci pessoas maravilhosas, humildes e
bem intencionadas que hoje são grandes
amigos meus, apesar
de eu não
mais ser um “ irmão”.
_Então,
na sua concepção não existe religião?
_ Existe!
A que se constrói no templo íntimo. É nessa que nasce a fé perfeita.
_ Para
você o que é ter fé perfeita?
_ Para
mim, todo aquele que vive gostosamente a vida e tem a paixão de induzir aos
outros essa sensação. É aquele que não limita o próprio ser. É aquele que não
aceita superficialidades. É aquele que não é meio verdadeiro, meio amante, meio
sério, meio honesto. É aquele que se não acreditasse, não seria meio ateu.
_ Será
que essas pessoas não teriam como todas, um vazio que não sabem explicar?
_ É
justamente quem não tem necessidade de preencher esse vazio é os que são os
felizes.
_ Você
foi na igreja preencher esse vazio?
_ Sim,
fui! Lá não enchi o meu vazio, enchi foi o meu saco.
_ Puxa
vida, não brinca, repito. E se a
religião for obrigatoriamente o caminho para o céu?
_
Primeiro é preciso entender o que de fato seja religião. Se for a que eu
encontrei por aí, aí sim, terei certeza de que Deus não me quer por lá.
_ Você
não consegue falar sério? Sinal que deve ter realmente melhorado. Pois o senso
de humor seu é ótimo.
_ Falando
sério, eu gostaria que você entendesse o que eu estou querendo lhe dizer. É no
nosso interior que Deus está, é onde podemos reconhecê-lo e senti-lo arraigado
em nosso ser. Depois de encontrar Deus por si mesmo e de si mesmo é que devemos
procurar pelas igrejas e tirar de lá os irmãos submissos e juntá-los a
nós. Algumas pessoas, para fugir de uma
infelicidade, procuram pelas igrejas, mas lá descobrem que o compromisso
assumido com a religião não é um substituto para um compromisso humano. Todos
nós queremos encontrar Deus. Procuramos
a religião para isso, mas geralmente elas cobram em troca dessa busca o
abandono do mortal comum. A maioria dos chamados fiéis são vítimas dessa
presunção de uma fé inabalada se fecham num mundo inacessível, desprezando tudo
que não é conveniente aos seus anseios descobertos na igreja. Se a religião não
for vivida no nível correto e também não respeitar a nossa parte animal, ela ao
invés de nos fortalecer nos deixa vulneráveis a tudo e nunca encontraremos a verdadeira
paz, pois ficamos cegos e subordinados à canga de seus dogmas.
_Eu nunca escutei uma opinião tão extremista com
relação a religião na boca de alguém que acredita tanto em Deus, como você.
_ Não é
extremismo, não. Para mim a grande tragédia é limitar o ser
humano e
fazer concessões. Eu jamais entenderei e aceitarei essas aberrações. O que
existe por aí, não é a igreja que Deus imaginou. O que tem aí hoje é um
absurdo. Ninguém deve ir ás igrejas de hoje perguntar o que é bom para si
mesmo. Essa expressão urgente é encontrada na conseqüência de um encontro com o
amor livre e não no aprisionado na conveniência das igrejas. Quantos e quantos
erros se praticam em nome de uma fidelidade à certos padres, pastores, bispos,
reverendos e sei lá mais o que. Quantas angústias e tormentos e desejos
aprisionados para ser admirado por pessoas que por mais que tenham boas
intenções não podem substituir as nossas
próprias razões.
_ Todos
têm certas obrigações para cumprir, seja ela pessoal, social ou religiosa.
_ Acima
dessas obrigações, meu caro, estão todos os nossos prazeres e autenticidades.
Ninguém pode deixar de “ser” de verdade, para ser um produto inventado pelos
outros. Podemos tudo: Amar, odiar, beijar, cuspir, atiçar fogo, afogar,
ascender, declinar, avivar, suicidar. Somos a fronteira do tudo e do nada.
_ Muitos
podem cair nesse buraco do nada sem terem a noção do que é fé e religião.
_ Fé e
liberdade, é cair, se preciso for, mas
no buraco que nós próprio cavamos. As nossas amarguras, as nossas tristezas e
nossas desolações vêm é da satisfação que temos que dar às pessoas, incluindo
os religiosos. Desculpa a expressão, mas
“à puta que pariu” todos eles. Nunca mais farei nada por obrigação e imposição
dos outros. Se for preciso, pego o meu surrão de couro e vou embora por esse
mundão de meu Deus.
_ Meu
Deus, as igrejas só existem para ratificar a nossa fé. Os padres, pastores
estão lá apenas para pregarem a verdade. Sem essas verdades não somos nada.
_ Não há
diferença entre um mentiroso e um pregador de verdades ordinárias. Quem pode
acredita, filha, quem não, procura uma igreja. Mas uma coisa eu lhe digo: O
Deus dos hipócritas não existe. Ou seja, na igreja, encontra outra coisa e
chamam de Deus.
_ Qual é
a sua concepção de Deus, papai?
_ Você tem
bons sentimentos no coração e quer colocá-los em prática, filha?
_ Claro!
Mas você não respondeu minha pergunta.
_ Então,
filha. Saia do fanatismo das religiões. Diminua as visitas nos templos e pegue
os seus sentimentos e... “Dê-os!”
_
Entendi.
_ Pois é.
Dê os bons sentimentos para os outros e sentirá que Deus é tão somente isso. A
entrega total de si, que automaticamente se torna um encontro e uma recepção
divina. Dê... Dê......Deus.