Barzinhos
De todos
os barzinhos que me foi dado conhecer nos meus caminhos, dois foram de longe e
sem a menor dúvida os mais extraordinários que conheci: Barzinho Skalla e Barzinho do Tio Pedro, ambos localizados na Vila Guilhermina, aqui em Montes
Claros. De propriedade de Reinaldo e Haroldo, Figuraças que se tornaram grandes
amigos meus. Todo boteco tem cenas pitorescas, mas no caso do Skalla e do Tio
Pedro eram especiais, pois quase sempre os seus proprietários eram os
protagonistas dos acontecimentos.
De uma
forma geral, o botequeiro não pode ser um homem como qualquer outro. É preciso
que ele tenha, antes de qualquer coisa, uma boa dose de paciência e muito
carisma. No caso dos proprietários dos barzinhos citados, não faltavam
essas qualidades, mas como tudo na vida tem limite, às vezes eles não se
continham.
Vou
narrar alguns acontecimentos que eu presenciei:
No
barzinho Skalla, duas moças estavam bebendo, e na hora de acertar a conta houve
um impasse: uma das moças alegava que Reinaldo estava cobrando uma cerveja a
mais, fato que muito o irritou, mas tentando manter a calma explicava que ele
não estava enganado e que a conta era aquela mesma. A moça não concordava de
jeito nenhum e insinuou que ele estava roubando. Ele perdeu a paciência e
começou a discutir freneticamente por muito tempo. Eu e a outra moça, amiga da outra
que discutia, tentamos interferir e nada deles escutarem, continuando a
discussão. Já passado algum tempo, e com os argumentos xingatórios se
esgotando, a moça, visivelmente abatida, encerrou dizendo:
_ Vou
parar por aqui, seu grande idiota!
Reinaldo
para não sair perdendo na discussão, por fim, disse:
_ Idiota?
Idiota? Idiota está no meio de suas pernas!
Nesse
mesmo barzinho, eu me lembro de uma noite ter recebido dos dois proprietários
R$40,00 (Quarenta reais) de cada um, que, coincidentemente, me pagavam uma
dívida contraída há alguns dias e ambos pediram para não comentar que haviam me
pagado. Até aí, tudo bem, só que ficamos tomando cerveja até mais tarde e já
quando fechavam o caixa, apontava uma diferença contra eles de R$80,00 (Oitenta
reais), justamente o valor que recebi. Provavelmente ambos pegaram o
dinheiro do movimento daquele dia sem comunicar um com o outro, mas como tinham
a consciência pesada, não comentaram muito sobre o "prejuízo". Ambos
olharam para mim desconfiados, e resignados com o ocorrido disseram: "Deus
nos proverá"
O barzinho do Tio Pedro, que antes era de propriedade de minha amiga Tereza, que hoje mora em Caraguatatuba, no litoral paulista, também era o nosso ponto de encontro. Rei e Haroldo depois de irem à bancarrota no Skalla, tentaram uma nova investida e o compraram de Tereza.
Nesse
barzinho, o muro tinha na sua parte interna várias pinturas bonitas, o que
decorava o barzinho no seu interior. Dentre as várias figuras desenhadas, tinha
a de uma fazenda cheia de gado, com um curral de cerca de arame, na qual tinha
uma das fileiras arrebentadas, o que deixava a pintura muito original. Estava a
turma toda tomando uma cervejinha próximo ao balcão de atendimento, tendo como
assunto principal a dor de cotovelo que um dos nossos amigos curtia. Ele estava
sentado propositadamente afastado de nós, bem próximo ao muro, quando de
repente ele se levantou e saiu em disparada rua afora, nos deixando
embasbacados com a sua atitude. Tivemos que pegar um carro e já alcançá-lo
depois da rodoviária, todo ofegante e trêmulo. O levamos de volta e lhe demos
um bom banho para recuperá-lo da embriaguez, e quando um pouco melhor ele
tentava explicar que correu, porque estava com a camisa vermelha e viu uma das
vacas sair do muro, bufando de raiva em sua direção. Começávamos todos a nos
preocupar com o seu estado psíquico, uma vez que uma semana a estes fatos ele
tinha batido de frente no muro com sua motocicleta, no desenho de uma estrada
que tinha ao lado do portão. Mas verificamos mais tarde, que não era nada
sério. Quando reatou o namoro com sua grande paixão, voltou a beber pouco e
controlar os impulsos. "Cada um curte a dor de cotovelo a sua maneira, ora
essa", dizia ele, quando a turma pegava no seu pé para gozá-lo de suas
atitudes pouco convencionais.
E por
falar em atitudes não convencionais, esse nosso mesmo amigo, que é o sujeito
mais "pão-duro" que se pode conhecer, conseguiu irritar Haroldo,
sócio de Reinaldo, que é o sujeito mais calmo desse mundo. Haroldo, para morrer
de repente, deve demorar três dias, no mínimo. Estávamos tomando uma
cervejinha, eu, Haroldo e o dito cujo quando de repente o celular dele tocou, e
a namorada exigiu a sua presença em certo lugar, imediatamente. Tínhamos tomado
apenas uma cerveja, e ele queria pagar a parte dele na conta, e não sabia o
valor. Propusemos dividir o valor da cerveja por três. Ele não
concordava, alegando que estava saindo e ainda tinha cerveja na garrafa, e que
dessa forma ele pagaria mais do que devia. Haroldo propôs pagar a cerveja, mas
eu, de picardia, dei a entender a Haroldo que não pagasse, só pra ver até onde
ele chegaria. Pois ele, com a ajuda de uma calculadora, fez uma regra de três
composta e mais algumas outras contas para, com precisão, afirmar que tinha
consumido apenas 112 ml. Dividiu o valor da cerveja pelo seu volume líquido e
depois multiplicou pela tanto que bebeu. Nesse ínterim, a sua namorada já havia
ligado mais umas quatro vezes, e eu e Haroldo tomamos mais umas três cervejas.
Pode
parecer conversa de botequeiro, mas todos esses três casos foram a pura
verdade.