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segunda-feira, 29 de junho de 2015

Requebra que eu te dou um doce!

                                     (A um louco muito especial)

Quem de nós, moradores dos Bairros Morrinhos, Vila Guilhermina e adjacências, aqui em Montes Claros, que já não deparou com o famoso e folclórico Raimundo Requebra, ou simplesmente "Requebra", com o seu exótico e particular jeito de ser.
Há 30 anos morando na Vila Guilhermina, acostumei com o seu palavreado nada convencional, geralmente provocado por alguma criança, que, como eu, nos meus tempos, escondia de algum lugar e gritava: "Ô, requebra!".   Sim, Raimundo adorava rebolar, imitar uma mulher, mas não admitia que o chamassem de Requebra. Meus filhos hoje, fazem o mesmo. Escondem e quando ele aproxima, gritam e provocam o Requebra, também chamado por alguns de "Xêpa" , mas não são só as crianças que  gostam de provocar o Raimundo, não; nós, adultos, também. Eu, por exemplo, deixava o aparelho de som ligado a toda altura, preparava uma fita cassete de uma banda baiana chamada "Olodum", que tinha uma música que repetia várias vezes o seu apelido, e, quando ele estava por perto, eu apertava a tecla de pausa, que ficava suspensa como uma armadilha, propositadamente preparada para desarmá-la naquele ponto e naquele momento.

Há quase dois anos que o Raimundo requebra desapareceu, cogita-se até como certa a sua morte. Sumiram com Requebra, essa inofensiva criatura vítima de tantas covardias e indiferenças por parte de muitos seres chamados de humanos.

"Raimundo, você que já suportou tanto espancamento, até a água fervendo no corpo  já resistiu. Você que já suportou absurdos, "Rai", não é possível que liquidaram com você. Não! Se você desapareceu, foi porque bem quis, eu sei.

Cadê você, Raimundo? Você nunca demorou tanto a nos "encher o saco"!   Cadê você, Raimundo, que, através de gestos e gritos, ensinou todos os meus filhos a falar palavrões indecentes? Cadê você, Raimundo, que me obrigava a comprar um maço de cigarros, eu, que não fumo, só para todo dia lhe dar um e ter certeza que o veria, para, na verdade, através de você, saber sobre o meu próprio destino? Cadê você, Raimundo, que uma vez surpreso com um comportamento estranho meu, sabendo que não me era peculiar ficar carrancudo, simplesmente me disse: _Pense, pense, mas depois, dispense, se não você fica doido, viu?"

Conversei com muitos a respeito de Raimundo, mas ninguém sabe de completo quem é ele. Ele é indizivelmente ameaçado, complicado, frágil.

Raimundo é só um pressentimento, nunca uma afirmação, é uma nostalgia que se confunde com a própria natureza em busca de sua verdadeira forma e possibilidade, porque sabe que a verdadeira paz não vem dos caminhos racionais.

Quantas vezes eu me pergunto se Raimundo é de fato um doido ou, simplesmente, um homem muito corajoso que vive o perigo, a morte, o medo e anda peregrinando indisciplinado, com sonoras gargalhadas, cheio de sonhos, apenas porque é um enamorado da vida.

Eu não posso imaginar que alguém teve coragem de matar  alguém que só tinha a vida como patrimônio e por isso mesmo tinha como importante só o viver. Raimundo é amor e a prova dele, porque amor mesmo é sorriso na dor. Raimundo era um eremita, e quem tinha a oportunidade de conversar com ele, como eu, sabia que ele era não só um andarilho inconsciente, ele era acima de tudo, um sábio gozador. Ele foi o último dos extravagantes. Extravagante, por ser autêntico demais.

Se acabaram com o Raimundo é porque sabiam que ele era um herói que jamais iria fugir do seu destino e nem tentaria modificá-lo. Se acabaram com o "Xêpa" é porque morriam de inveja dele ter sido o escolhido pela natureza para ser o humano que representasse e expressasse a liberdade absoluta. Ele era "ele" mesmo.

"Por isso mesmo meu querido Xêpa, paro nesse momento de me lamentar, porque sei que você sempre será "você" onde estiver. Nesse momento, depois de quase um ano de espera, pego novamente aquela fita de olodum que sempre está no ponto de chamar por você, ligo o som, aperto o "play" e onde você estiver, com certeza, curtindo com a cara de alguém, escute como se fosse a voz de nós todos que sentimos saudades de você:

"Requebra, requebra sim, pode falar, poder rir..."